

A
incompreensão de raças é tão velha quanto “andar pra frente”. A cronologia da
humilhação de negros e índios no Brasil remonta dos primórdios do descobrimento,
quando a herança racista portuguesa, pra não dizer européia, chegou por aqui
junto com Cabral, em 1500. No mesmo ano, Portugal iniciou o comércio de
escravos negros para a América. O navegador português Bartolomeu Dias, célebre
por ter sido o primeiro europeu a navegar além do sul da África, naufragou na
mesma data, morrendo em frente ao Cabo da Boa Esperança. Ninguém sabe ao certo,
mas é possível que sua carga era de negros escravos sendo levados aos mercados
internacionais. A consciência branca naquela época era ganhar dinheiro com a
inconsciência negra.
Em 1680, Zumbi comanda tudo e todos em
Palmares, e enfrenta as tropas portuguesas de forma incessante. Mas a luta é
desigual, mortal, selvagem e em 1694 ele recebe uma pesada artilharia, recebe
as tropas de Domingos Jorge Velho e recebe também um ataque final, no principal
mocambo de Palmares. Ferido, foge. Localizado em 20 de novembro de 1695, é
degolado. Vira mito, vira lenda, vira único. Na mesma época, na Europa, o
filósofo, cientista e matemático Leibniz publica “Novo
Sistema da Natureza”. Em 2003, o dia 20 de novembro, data da morte de
Zumbi, passa a ser oficialmente o Dia
Nacional da Consciência Negra. Mais de cinco séculos se passaram, sendo que
nesse período milhões de negros escravos foram dizimados pela humanidade
branca. Ainda precisamos de “um dia” para refletir sobre a consciência negra
porque mesmo depois de séculos de humilhação a consciência branca ainda não se
libertou das correntes que arrastam seus pés pelos porões da ignorância.
Fragmento
de texto de Kelly de Souza , jornalista
colaboradora da Revista da Cultura e Blog da Cultura, adaptado para sala de
aula por Adriana Cristina Trajano Marinho, Especialista em Língua Portuguesa-UEPB
e professora do Ensino Fundamental e Médio- Paraíba.
Texto 2:
O texto a seguir foi extraído da obra A cor da ternura (1986), da escritora Geni Guimarães, cuja personagem principal é Geni.
Primeiras lembranças
Minha mãe sentava-se numa cadeira, tirava
o avental e eu ia. Colocava-me entre suas pernas, enfiava as mãos no decote do
seu vestido, arrancava dele os seios e mamava em pé. Ela aproveitava o tempo,
catando piolhos da minha cabeça ou trançando-me os cabelos. Conversávamos, às vezes:
—
Mãe, a senhora gosta de mim?
—
Ué, claro que gosto, filha.
—-
Que tamanho? — perguntava eu.
Ela
então soltava minha cabeça, estendia os braços e respondia sorrindo:
—
Assim.
Eu
voltava ao peito, fechava os olhos e mamava feliz. Era o tanto certo do amor
que precisava, porque eu nunca podia imaginar um amor além da extensão de seus
braços.
(...) Uma vez foi assim:
—
Quem fez o fogo e a água?
—
Deus, é claro. Quem haveria de ser?
— E
se pegar fogo no mundo?
—
Ele faz a água virar chuva e apaga o fogo do mundo.
—
Mãe, se chover água de Deus, será que sai a minha tinta?
Credo-em-cruz!
Tinta de gente não sai. Se saísse, mas se saísse mesmo, sabe o que ia
acontecer? — Pegou-me e, fazendo cócegas na barriga, foi dizendo: — Você ficava
branca
e eu preta, você ficava branca e eu preta, você branca e eu preta...
Repentinamente
paramos o riso e a brincadeira. Pairou entre nós um silêncio esquisito.
Achei
que ela estava triste, então falei:
—
Mentira, boba. Vou ficar com esta tinta mesmo.
Acha
que eu ia deixar você sozinha? Eu não. Nunca, nunquinha mesmo, tá?
Daí
ela fingiu umas palmadas na minha bunda, saiu correndo pelo quintal afora.
—
Quem chegar por último vira sapo da lagoa.
Corri
também, dando largas passadas, tentando pisar no rastro dela.
(...)
Ela era linda. Nunca me cansei de olhá-la.
O
dia todo arrastava os chinelos pela casa. Ia e vinha.
Eu
também ia, eu também vinha.
Quando
me pegava no flagra, bebendo seus gestos, esboçava um riso calmo, curto. Meu
coração saltava feliz dentro do peito.
Eu
baixava a cabeça e fechava os olhos. Revivia o riso dela mil vezes e à noite
deitava-me mais cedo para pensar no doce cheiro de terra e mãe.7
GUIMARÃES,
Geni. A cor da ternura. 10ª ed.São Paulo: FTD,1997.p.13-15
PROPOSTA DE PRODUÇÃO TEXTUAL E REFLEXÃO
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