sexta-feira, 8 de outubro de 2010

Houaiss não contou os bastidores do acordo, diz gramático

Juliana Doretto
Especial para o UOL Educação
Houve brigas? O Brasil teve de aceitar mudanças que não lhe agradavam? Ou conseguiu convencer linguistas portugueses mais carrancudos?

"Essas coisas não estão reveladas. [Antônio] Houaiss nunca fez um dossiê, nunca historiou os bastidores do acordo. Até porque acho que ele morreu sem ter a esperança de que aquilo seria posto em prática." Essa é a opinião de José Carlos de Azeredo, professor do Instituto de Letras da Uerj (Universidade do Estado do Rio de Janeiro) e autor de "Escrevendo pela Nova Ortografia" e "Gramática Houaiss da Língua Portuguesa" (ambos da Publifolha e do Instituto Houaiss).

PALAVRAS DE ESPECIALISTA
Bel Pedrosa/Divulgação
O professor José Carlos Azeredo

O gramático, que chegou a trabalhar com o filólogo e enciclopedista, conta que Houaiss (1915-1999) teve carta branca da ABL (Academia Brasileira de Letras) para participar das discussões que culminaram no novo Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa, em vigor desde 1º de janeiro deste ano.

"As conversas começaram em 1986 e se estenderam até 1990, com representantes de sete países que assinaram o acordo, já que Timor Leste [outro país lusófono] se tornou independente apenas em 2002. O Antônio Houaiss era o único representante brasileiro. Ele era efetivamente uma autoridade no assunto, apesar de muitos especialistas acharem que deveria ter havido uma maior discussão", explica.
Além disso, para o professor Azeredo, a ABL permitiu que apenas um representante brasileiro participasse dos debates "porque o acordo de 1990 copiou em larga medida a reforma ortográfica de 1945". Essa mudança foi um acordo firmado entre Brasil e Portugal, mas que foi seguido apenas por este último. "O Brasil acabou se sentindo prejudicado e permaneceu no acordo de 1943", afirma o professor.

O texto de 45 já previa, por exemplo, a extinção do trema e a abolição do acento agudo nos ditongos abertos das paroxítonas, medidas que foram implantadas no Brasil com o novo acordo, mas que já estavam em prática em Portugal desde a segunda metade da década de 40.

"O que se decidiu em 1990 é, na verdade, uma extensão ao Brasil daquilo que Portugal já praticava. As inovações são principalmente em relação ao hífen", diz o gramático.

Apego visual

Mas esse acento nos ditongos abertos não é necessário para manter a pronúncia aberta? O professor responde primeiramente com um sorriso e depois usa como recurso outras mudanças pelas quais a língua portuguesa já passou.

"As pessoas pensavam isso até 1971 para casos como aperto [pronúncia fechada], aperto [pronúncia aberta]; gosto [pronúncia fechada], gosto [pronúncia aberta]. Todos nós temos tendência ao apego visual à grafia da palavra."

Para Azeredo, todas as reformas têm como objetivo a simplificação da maneira de escrever as palavras, e não da língua. "Existem diferenças de vocabulário até dentro do próprio país. Nenhum acordo poria fim a isso. Isso seria até um empobrecimento."

O autor, que foi convidado pelo instituto a escrever a "Gramática Houaiss", diz ainda que o novo dicionário que leva o nome do filólogo, com as mudanças da reforma, deve ser publicado ainda neste ano.

Problemas
Apesar de acreditar que o acordo ajudará a internacionalização do português e o comércio de livros escritos na língua portuguesa, o gramático também tem suas críticas à reforma, ainda que classifique os problemas como "inerentes ao processo".

Para ele, uma das falhas está no verbo arguir, que, além do trema, perdeu o acento agudo sobre o "u" em ele 'argúi'. "Agora, ele argui e eu argui [no passado] têm a mesma grafia. A gente se pergunta, será que eles não pensaram nisso? Acho que eles não se deram conta disso, porque são casos muito raros".

Outro problema estaria na indefinição de certos casos de emprego do hífen, com diretrizes muito genéricas. O texto da reforma diz que "as frases feitas de modo geral, as expressões, que eles chamam de locuções, não têm hífen. Por exemplo, 'água que passarinho não bebe', uma expressão que usamos para cachaça, segundo o acordo, não teria hífen". Para o professor, essa também tem sido a posição da ABL e deve estar assim no próximo Volp (Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa).

Além disso, o texto do acordo diz que se usa hífen nas palavras compostas que designam espécies botânicas e zoológicas. "Produziu-se uma confusão que poderia ser evitada. Por exemplo, bico de papagaio pode ser uma deformação da coluna, mas também é uma planta. Num dos casos terá hífen, no outro não? E como ficam as designações dos alimentos, das doenças?

Nenhum comentário: